Nova lei de gestão de resíduos em eventos em SP remete ao início de Recicleiros e reforça seu caráter inovador

O governo de São Paulo publicou uma lei que traz novas diretrizes para a gestão de resíduos sólidos em eventos no Estado. A lei 17.806/2023, que envolve eventos públicos, privados ou público-privados, visa gerar impacto econômico e socioambiental.

De acordo com a lei, é de responsabilidade de organizadores, fornecedores e estabelecimentos o gerenciamento de toda a cadeia, desde coleta, transbordo, transporte, tratamento até a destinação final ambientalmente adequada. Isso vale para shows, festivais musicais, festas regionais, campeonatos esportivos, congressos, feiras, entre outros. 

Além disso, a nova lei diz que essa gestão de resíduos deverá ser conduzida, preferencialmente, por cooperativas de catadores de material reciclável.

Recicleiros como precursora de gestão de resíduos em eventos

A publicação dessa lei estadual traz à tona os primeiros passos de Recicleiros, ainda no início dos anos 2000. Foi nesta época que os então amigos de universidade Ana Beall, Erich Burger e Gustavo Giopatto, inspirados pelo conceito de negócio social, do Nobel da Paz, Muhammad Yunus, começaram a imaginar o que seria Recicleiros, com a missão de abrir novos caminhos e promover impacto socioambiental positivo para o planeta. Encontraram na gestão de resíduos de eventos um espaço para materializar esse empreendimento.

“Não tivemos uma atuação direta na criação dessa lei estadual, mas o curioso é que fizemos isso muito tempo atrás, em 2007, quando não existia sequer a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que veio em 2010. O que havia era uma pressão nas marcas para fazer ações ambientais. Foi nesse contexto que fizemos o primeiro projeto de Recicleiros, trabalhando com gestão de resíduos em grandes eventos. As marcas olhavam para isso mais como marketing do que sustentabilidade. O assunto era muito incipiente”, relembra Ana Beall, hoje Diretora de Compliance e Governança do Instituto Recicleiros.

A ideia central era fazer a gestão eficiente de resíduos do evento com o apoio de uma cooperativa de reciclagem da cidade, a partir de uma central de triagem itinerante e colocando os catadores no centro das ações. Todos recebiam remuneração, uniformes, EPIs e condições dignas de trabalho. E os resíduos processados tornavam-se propriedade da cooperativa, gerando renda para a unidade. Após o evento, Recicleiros elaborava um relatório com o volume de materiais processados e entregava aos organizadores.

“Agora, ver uma lei aprovada é sensacional. Demorou para acontecer, mas que bom que ela existe agora. Nós olhamos para isso em 2007, fomos precursores, e estamos em 2023, veja quantos anos se passaram. Hoje temos uma legislação de algo que já fazíamos há muito tempo”, acrescenta Ana.

Eventos diversos e reconhecimento

O primeiro evento realizado por Recicleiros nesses moldes foi o festival de música Planeta Terra, em 2007, com cerca de 15 mil pessoas, na capital paulista. Diante do ineditismo e do sucesso da ação com organizadores e público do festival, a gestão de resíduos sólidos em eventos coordenada por Recicleiros ganhou corpo e projeção. 

Para se ter uma noção, só do Planeta Terra, foram quatro participações consecutivas. Vale citar que no segundo ano desse festival, a Central de Triagem de Recicleiros foi eleita pelo público como a atração mais surpreendente de todo o evento, segundo o voto popular. Outro ponto de reconhecimento pelo trabalho inovador foi a inclusão pela Federação Internacional de Vôlei de Praia, do sistema de gestão de resíduos Recicleiros no Guide Book mundial de organização do evento, recomendando a Central de Triagem de Resíduos Sólidos criada por Recicleiros para todas as etapas do Mundial.

Entre os muitos eventos nos quais Recicleiros fez a gestão de resíduos em parceria com cooperativas de reciclagem, podemos citar os festivais de música SWU, Maquinária, About Us e o Natura Nós, além de eventos esportivos de calibre internacionais como Mundial de Vôlei de Praia, São Paulo Indy 300, Sharapova x Dulko e nacionais, como Stock Car e Descida da Escadaria de Santos.

Conexão com as cooperativas e destaque para os cooperados

A gestão de resíduos em eventos tinha como ponto central a conexão de Recicleiros com as cooperativas locais, abrindo um novo horizonte e subvertendo a lógica da época. Afinal, era (ou é?) comum os responsáveis pelos eventos chamarem catadores para darem a destinação final dos resíduos. O pagamento? O próprio resíduo. Porém, a bandeira levantada por Recicleiros, que segue hasteada até hoje, passa pela remuneração pelos serviço prestado pelos catadores, que pode ter como parte do pagamento os próprios resíduos. Por isso, a remuneração aos catadores e catadoras estava clara nos orçamentos dos eventos.

Por conta dos altos volumes triados e vendidos pelas cooperativas, muitas conseguiram, a partir dos recursos, aperfeiçoar a infraestrutura. Por exemplo, com o dinheiro dos resíduos, teve unidade que quitou um caminhão financiado, criou um sistema de combate a incêndio, um sistema de iluminação do galpão para trabalhar em dois turnos e aumentar a produtividade, entre outras conquistas. “O impacto gerado era muito positivo. Essa lógica era e ainda é inovadora”, diz Erich  Burger, Diretor Institucional do Instituto Recicleiros.

“A gente fazia dessa experiência com os catadores uma espécie de workshop de capacitação. Muitas cooperativas não tinham onde triar resíduos, era no chão. Criamos então uma bancada de triagem extremamente simples, leve e barata, especialmente desenvolvida para o contexto de eventos, assim como processos produtivos que simplificavam essa operação. Tudo isso é tecnologia social. A gente viajava para as cidades, conhecia as cooperativas e trocava conhecimentos, de lado a lado”, conta Erich.

Uma outra conquista foi tirar os catadores da invisibilidade. “Essas pessoas, que antes não eram vistas, foram para o centro. Tornaram-se prestadores de serviço  que eram aplaudidos pelo público, que eram percebidos por públicos de eventos que tinham grandes bandas no palco, por exemplo. Eram pagos para fazer o trabalho, e tinham seu espaço. Elevamos a autoestima de pessoas muito sofridas”, comenta o diretor de Recicleiros.

A realidade de hoje foi construída ontem

Apesar de a gestão de resíduos em eventos não fazer mais parte do negócio Recicleiros – ocorreu entre 2007 e 2012 –, esse momento embrionário foi fundamental para a atuação atual do Instituto, em 2023. 

“Hoje, defendemos uma metodologia estruturada para o que a gente faz, que é implantar uma estrutura de coleta seletiva com dignidade para catadores, com inclusão social, com elementos básicos. Isso estava na apresentação quando pensamos em fazer a reciclagem em eventos. Percebemos que nesse ambiente havia resíduos e o catador estava envolvido nesse ecossistema. É a mesma lógica de hoje, do que precisa ser feito para ter reciclagem com inclusão social. Falávamos na época que tinha de ter legislação, infraestrutura, comunicação para engajamento e remuneração para os catadores, exatamente o que fazemos hoje em dia”, completa Erich.

A nova lei 17.806/2023, mais do que despertar um sentimento acalentador de nostalgia por rememorar o início de tudo, deixa evidente o caráter inovador de Recicleiros, que está sempre à frente do seu tempo quando o assunto é reciclagem e inclusão social.

Veja aqui uma coletânea de fotos que mostra a atuação de Recicleiros na gestão de resíduos em eventos.

O que o aumento da reciclagem tem a ver com a estratégia de mitigação dos lixões?

A reciclagem tem um papel fundamental no desenvolvimento sustentável do planeta, já que preserva recursos naturais, diminui a quantidade de resíduos nos lixões e aterros sanitários, reduz a poluição do solo, água e ar, entre outros benefícios.

Além do aspecto ambiental, a coleta seletiva e reciclagem tem um papel social importante, uma vez que um grande número de catadoras e catadores ganham a vida com a renda obtida a partir da venda de resíduos sólidos recicláveis.

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O aumento da reciclagem pode ser visto como um indutor da mitigação de lixões. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 39% do total de resíduos coletados em 2022, que corresponde a 29,7 milhões de toneladas, vão para a destinação inadequada, incluindo lixões.

Isso ocorre pois muitos municípios se deparam com a escassez de recursos financeiros para garantir a destinação final ambientalmente adequada para aterros, principalmente quando esses são distantes das cidades e o custo de transporte se torna um agravante para a inviabilidade. Aterros estão cada vez mais distantes das cidades e, portanto, cada vez mais caros para os municípios. 

Como o custo de destinação é uma relação entre volume e quantidade, quanto mais resíduos, mais caminhões, quanto mais caminhões, mais caro, a redução de quantidade de material tende a tornar a substituição de lixões por aterros mais factível. 

Para um município com alta eficiência na coleta seletiva de recicláveis, destinar os rejeitos para aterro é algo muito mais viável.

Dito isso, um ponto bastante relevante dentro desse contexto é a relação do aumento da reciclagem com a redução dos lixões. Afinal, quanto mais resíduos vão para a reciclagem e a cadeia produtiva da economia circular, menos itens têm os lixões como destino final.

Não existe a ideia de “jogar fora”

De certa forma, tudo que “jogamos fora” vai parar em algum lugar. Ou seja, na melhor das hipóteses, o lixo está indo para um aterro sanitário, o que ainda significa que está se acumulando de forma desenfreada no planeta. Por esse motivo, é bom ficarmos atentos, pois, na realidade, não existe esse conceito de “jogar fora”.

Quando não separamos os recicláveis do lixo comum, só estamos contribuindo para deixar nosso grande lar cada vez mais perto de se tornar inabitável. Mas, ao dar a destinação correta aos nossos resíduos, por meio da coleta seletiva e reciclagem, estamos contribuindo diretamente para uma cidade e um planeta mais limpo e sustentável, seja no aspecto social ou ambiental.

Por que os lixões devem ser combatidos?

Nunca é demais lembrar: o lixão é uma maneira inadequada de lidar com os resíduos, por isso devem ser extintos. 

Veja abaixo alguns motivos claros para o fim definitivo dos lixões nas cidades:

  • Poluição do solo e águas por conta do chorume acumulado.
  • Oferece riscos à saúde por conta do ambiente favorável à proliferação de doenças.
  • Recebimento de materiais perigosos, como os resíduos de serviços de saúde.
  • Gera grandes riscos a pessoas em situação de vulnerabilidade que buscam renda.
  • Geração de gases que podem provocar incêndios e potencializar mudanças climáticas. 

Para ampliar e aperfeiçoar os processos de coleta seletiva e reciclagem, a fim de vencer o desafio dos lixões, precisamos adotar novas medidas, como fomento à educação ambiental, bem como trabalhar a responsabilidade compartilhada dos diferentes agentes que fazem parte dessa cadeia sustentável.

Japão: exemplo inspirador de reciclagem

Um exemplo que pode inspirar a realidade brasileira e dar novos rumos à coleta seletiva e reciclagem é o Japão. Diante de uma área territorial restrita e grande população, lidar com a gestão dos resíduos é crucial para o país asiático. 

Houve, por anos, um investimento significativo em educação ambiental, além de busca por soluções que pudessem transformar a realidade local. Hoje, a gestão de resíduos no Japão está ancorada em três pilares principais.

O primeiro é a divisão clara de responsabilidades. Os consumidores, o setor privado, como indústria e comércio, e também o poder público tiveram seus papéis muito bem definidos. E não se trata apenas de direcionamento. Foi tudo bem estabelecido por lei. E cada parte responde pelo seu eventual descumprimento. E, aliado à lei, está a fiscalização.

O segundo pilar tem um aspecto econômico. O consumidor tem de pagar pelo descarte do lixo que produz, incluindo aqui o transporte e a reciclagem. Ou seja, quanto menos resíduos gerar, menor será a conta no final do mês. Aqui, entram também os famosos conceitos 3Rs – reduzir, reutilizar e reciclar.

Por fim, o terceiro ponto é a implementação gradual desse movimento em diferentes locais que, somados, acabam impactando o estado e, depois, o país inteiro. 

Em síntese, estamos falando em conscientização e educação ambiental, responsabilidade compartilhada, além da aplicação e fiscalização das leis.

Vamos trabalhar juntos pelo aumento da reciclagem? Estamos à disposição!