Cadeia Ética da Reciclagem: o valor humano por trás do resíduo
No último sábado (15), os diretores fundadores do Instituto Recicleiros, Erich Burger e Rafael Henrique realizaram na COP30 o painel “Cadeia Ética da Reciclagem: o valor humano por trás do resíduo”, que teve como objetivo debater sobre a dimensão humana da reciclagem a partir da conexão entre cidades sustentáveis, justiça climática e economia circular.
O evento fez parte do Festival Coletivo, realizado pela Gael e Menos1Lixo, na Casa Brasil Belém 2025. Os presentes e o público online puderam acompanhar um debate aberto e provocador sobre o real cenário da reciclagem no Brasil e o cumprimento da responsabilidade compartilhada pelos resíduos gerados nas cidades brasileiras. Participaram também da discussão o presidente do Instituto Movimento Eu sou Catador (MESC), Tião Santos, e a presidente da Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis das Águas Lindas (ARAL) e diretora da Recicla Pará, Sarah Reis.
No painel foi realizada uma constatação incômoda: 15 anos após a Política Nacional de Resíduos Sólidos, quase nada mudou para quem sustenta a reciclagem no Brasil: os catadores. O cenário ainda continua o mesmo, uma parcela significativa dos catadores e catadoras ainda trabalham em lixões ou nas ruas, sem garantias básicas e recebendo menos de meio salário mínimo por um trabalho essencial. Enquanto isso, grande parte das empresas cumpre metas ambientais com base em créditos obtidos às custas de mão de obra sub-remunerada.

Os participantes expuseram o paradoxo central: a reciclagem virou símbolo da economia circular, mas continua operando sobre uma base de trabalho informal, mal pago e invisível.
Alguns pontos críticos do debate:
1. A responsabilidade compartilhada virou desculpa compartilhada.
Prefeituras não estruturam coleta seletiva, empresas sub-remuneram os créditos, cidadãos seguem desinformados e cada elo aponta para o outro.
2. O mercado de créditos virou um mecanismo que “bate meta”, mas não paga dignidade.
Em diversos cenários, a cooperativa é responsável por processar e destinar o material, garantindo a geração dos créditos. No entanto, não recebe pelo serviço prestado, já que o valor de venda do material cobre, no máximo, apenas custos operacionais, como o frete para a destinação final.
3. Infraestrutura sem remuneração não resolve.
Prensa, galpão e caminhão ajudam, mas não fecham a conta quando ninguém paga pelo serviço ambiental prestado. O básico, salário mínimo, INSS, férias, condições de segurança, simplesmente não chega.
4. O imaginário da reciclagem ainda é romântico.
Há a crença de que o material “paga” o processo. Mas, como provocaram: se o material realmente pagasse a operação, por que nenhuma empresa aceitaria um contrato público de limpeza recebendo apenas o material?
5. Falta coragem para tratar reciclagem como política pública real.
Gestores evitam instituir a taxa de resíduos (prevista em lei), não fiscalizam separação domiciliar e continuam operando com restrição orçamentária e pouco resultado.
6. Sem ética mínima, não existe cadeia circular possível.
Se um crédito de reciclagem é gerado em condições de trabalho indignas, ele é antiético por definição, ainda que cumpra a meta de logística reversa e apareça nos relatórios ESG.
7. Caminho para o futuro: ética como padrão do setor.
O painel propõe um novo marco: um selo de reciclagem ética, garantindo que o material reciclado carregue não só rastreabilidade, mas também respeito ao trabalhador.
8. Educação é necessária, mas não suficiente.
Conscientizar o cidadão é essencial, mas esperar gerações é inviável. O avanço real nos países que reciclam mais veio de fiscalização, regras claras e sanção — não só de campanhas.
Para que a economia circular se consolide de fato, é indispensável que se reconheça com dignidade os trabalhadores da reciclagem e seu papel central na cadeia de valor.
O painel completo pode ser assistido no canal do YouTube do Menos1Lixo.